domingo, 31 de julho de 2011

Fórum - Educação versus Opinião

Os livros didátios podem se transformar de simples ferramenta pedagógica em um poderoso instrumento de reprodução do discurso oficial. Esta política de afirmação nacional pautada na depreciação do outro não é novidade nos Bálcãs, mas o curioso n caso que se segue é a intima relação, pelo menos aparente, entre a Albânia e a Turquia, principalmente no período Otomano.
É bem verdade que o nacionalismo albanês foi muito influente na onda de violência que sacudia os Bálcãs no ínicio do século XX, e que um das consequencias deste episódio forá a proclamação da independência da Albânia em 1912. Este fato deu novos rumos ao país que mais tarde seria invadido pelos italianos antes da Segunda Guerra Mundial e após a guerra mergulharia numa das mais fechadas ditaduras comunistas da História.
A comunidade islâmica da Albânia, tem um papel importante na construção de uma moderna identidade albanesa, estima-se que hoje o país tenha uma população islamica em torno de 40% à 50%. Os albaneses muçulmanos foram condecorados pelo museu do holocausto de Israel por sua participação na proteção das vidas de milhares de judeus que imigraram por causa da perseguição nazista (http://www.visaojudaica.com.br/Dezembro2007/artigos/2.html).
Ainda assim o império otomano, o principal agente islamizador da região dos Bálcãs, foi duramente crítica na Albânia moderna e um de seus mais ferrenhos adversários, não é uma idéia ou político, mas um escritor. Ismail Kadaré, hoje talvez o mais conhecido escritor albanês do século XX é uma das figuras públicas albanesas que mais tenha criticado o passado otomano dos Bálcãs.
Em livros como Três Cantos Fúnebres para o Kosovo e a Ponte dos Três Arcos, ambos editados no Brasil pela Editora Objetiva, Kadaré solta o verbo e caracteriza os otomanos como invasores sanguinarios que vem para separarem os Bálcãs, nome que os turcos deram a região e que literalmente significa "montanhas", do resto da Europa. O Fazem tanto de maneira política, a invasão quanto de maneira nominal ao transformar aquelas áreas descendentes da cultura heleníca no homogeneo conceito de "Bálcãs".
Kadaré também usava o Império Otomano como uma analogia ao regime comunista instaurado na Albânia e do qual Kadaré viveu em rellativa paz por um longo período. Fica claro no livro Três Cantos Fúnebres para o Kosovo, que o autor tentou responsabilizar os otomanos pelos conflitos ocorridos entre 1999 à 2001 na região do Kosovo.
A região do Kosovo possue uma maioria albanesa que gira em torno de 80% da população e uma minoria servia de aproximadamente 20% , este espaço é desde a idade média disputado por ambos os grupos e foi na Batalha do Kosovo de 1389 que os otomanos venceram uma coalisão balcano-cristã e esta vitória abriu as portas para a dominação dos Bálcãs.
O texto a seguir é uma tradução da máteria de 25 de julho do website SETimes (http://www.setimes.com/)  e reflete um problema muito particular na seleção dos temas e abordagem dos mesmos nos programas educacionais de História. O link para a matéria em inglês encontra-se aqui
Vamos usar o espaço destinado para os comentários, abaixo do texto para criar um forum e pensar um pouco a respeito sobre a matéria abaixo e as relações que podem ser estabelecidas acerca do discurso nacionalista albanês e a representação de temas correlatos ao Islam nos livros didáticos.


Vista aérea da cidade de Prizen em Kosovo. Crédito da Foto (Wikipédia)



Império Otomano no Kosovo e livros de História albaneses.

Por Muhamet Brajshore[1]

“Como a história do Império Otomano no Kosovo e Albânia é escrito tem importantes implicações para o Kosovo e Albânia nas suas relações com a Turquia.”
  
Nos livros de História do Kosovo e Albânia, cheios de discursos nacionalistas historicamente construídos, o Império Otomano e em alguns casos a Turquia moderna são considerados um opressor devido a quase cinco séculos de domínio otomano. Entretanto, historiadores argumentam que esta impressão baseada no nacionalismo pode ter em longo prazo um impacto nas relações com o ressurgimento da Turquia na região.

Olsi Jazexhi, que esta fazendo seu Ph.D sobre a questão do nacionalismo albanês, disse a SETimes que os livros de História sobre o Império Otomano e a Turquia refletem um preconceito que é influenciado pelo chamado nacionalismo albanês europeu, o qual teve diferentes estágios de desenvolvimento começando durante a presença otomana até o período comunista.

“Todos estes estágios mostram a Europa como um destino para os albaneses e a Turquia como uma oposição a isto, e após o 11 de setembro, mostram o Islam como parte desse mal”. Diz Jazexhi.

Descrevendo o período otomano, um livro de História escrito para o ensino fundamental no Kosovo, descreve a influencia do Islam no Kosovo. “Fatores que tiveram impacto no crescimento do Islam foram: Pressão sobre o povo através de impostos sobre a terra, que deveriam ser pagos apenas por cristãos, rapto de meninos e o envio deles a Istambul onde eles enfrentariam a Islamização e a educação nos moldes islâmicos, represálias dos órgãos estatais sobre a população, etc.”.

Nesse contexto, uma questão discutida entre os especialistas e historiadores é saber se o Império Otomano foi uma nação que ocupou países como a Albânia e o Kosovo.

Jazexhi argumenta que os otomanos conquistaram terras que os historiadores albaneses nacionalistas consideravam parte da “Grande Albânia”, mas menciona uma importante advertência. “Os otomanos não eram turcos, mas na maioria dos casos eram albaneses  Muçulmanos albaneses que construíram e administraram no Império Otomano e na parte européia do império.” Afirma ele para a SETimes.

Essa postura é refletida na visão dos turcos, que vêem os albaneses como irmãos e uma nação leal, e eles foram parte da elite otomana incluindo mais de uma dúzia de primeiros-ministros de origem albanesa.

Num discurso em 2009, em Sarajevo, o ministro das relações internacionais turcas, Ahmet Davutoglu disse: “Se não houvesse uma tradição otomana, os egípcios talvez nunca tivessem visto um albanês em suas vidas.” Referindo-se ao reformador albanês do século XIX, Muhammad Ali, que governou o Egito e estabeleceu uma dinastia.

Entretanto, o historiador Dhimiter Koci reflete a perspectiva nacionalista e questiona a necessidade de uma revisão da História. “Em nossa História os otomanos foram conquistadores de nossas áreas albanesas e isto é um fato que não pode ser mudado”, disse Koci argumentando que “qualquer mudança da História ou revisão, como queiram chamar isso, é um risco para nossa identidade nacional e isto aconteceu apenas no período comunista.”

O que pode ser visto como uma discussão acadêmica entre historiadores pode, entretanto, ter repercussões para a política externa turca e seu princípio norteador da “profundidade estratégica”, como defendido por Davutoglu, usando o poder brando da Turquia – incluindo os laços comuns históricos e culturais – para avançar com a impressão da marca turca na região. 

O colunista Ndue Ukaj, por exemplo, tem dúvidas sobre as “relações fraternais” entre o Kosovo e a Turquia.
“É possível com aqueles que temos lutado por cinco séculos, aqueles que tem degenerado e deformado a nação, com aqueles que nos colocaram na poça da ignorância e do subdesenvolvimento... hoje, quando temos a intenção de voltar para o mundo civilizado, ter relações fraternais?” escreveu ele em uma coluna.

Esta visão negativa dos otomanos também poderia repercutir na percepção da Turquia sobre os albaneses étnicos, a longo prazo, adverte Jazexhi.

“No momento, a Turquia esta sob a política febril de Ahmet Davutoglu, que procura a comunhão com os povos dos Bálcãs e quer começar esta história desde o seu inicio. Mas depois de algumas décadas acho que os turcos vão provavelmente começar a mudar sua atitude para com seus irmãos albaneses.”


[1] Original em inglês publicado no website SETimes (South East European Times) em Pristina (25/07/2011). Link: http://www.setimes.com/cocoon/setimes/xhtml/en_GB/features/setimes/features/2011/07/25/feature-02